agora sente saudades
do vácuo
em que flutuou por longos anos
era tão terno e claroo aquário vazio
mas como dói ter saudades
assim, de nada
e os olhos do gato
o tempo todo à espreita
no território imperfeito em que habitamos
a pele é fronteira
...
afetos são águas que fluem em fios
[ ou caudalosos rios

ausências: -
profundezas abissais

memórias são trilhas
que a mata densa e invasiva da vida cotidiana

encobre lentamente
a água na chaleira ferve
é madrugada já
a erva é doce
a camomila nem tanto
tisana
de perfume suave
perfeita
para mentes distônicas
(talvez me adoce a alma)
a mão apaga o fogo
os olhos pesam
(como o nada é pesado)
autômatos
os pés se arrastam
zumbi o corpo
se atira na cama
mergulho suicida
no vazio
onde as dores evaporam
até o amanhecer
senti o tempo - lobo cinzento
surgindo na colina
não era noite inda não era dia
antiga hora
em que os mortos ressurgem
em sombra
que faz uivar
o lobo do tempo
entre a cruz e a espada
decido
pelo nada
dou meia volta
e me atiro no abismo
atravesso desertos
em silêncio
saio de casa
de manhã
rumo às areias
quentes
com a intenção
de ir
e não voltar
mas sempre volto
e cada vez mais
seca
não do deserto
mas do silêncio
do que direi se a boca fala apenas
do que repleto está
o coração?
há tanto tempo muda
a língua se colou ao céu da boca
— único céu  em mim
em_mim_mesmada
queria estar
em_ti_mesmada
e nós
em nós_mesmados
(c i s m o)
sempre difíceis estas questões
pronominais
um simples caso reto
torna-se oblíquo
geométricas linhas
que se cruzam
dores agudas mentes obtusas
já não sei mais em que matéria
enquadrar os afetos
nada o que somos

imenso e retumbante
nada

ás margens plácidas
de um rio

que agoniza
agora compreendo, que de verdade
possuimos apenas
o momento presente

o passado - já não o temos
o futuro - não nos pertence

as minhas mãos plenas de “agoras”
celebram os instantes
e os libertam
caio nos vãos que há em toda parte
parte de mim quer voar
e o tempo voa
tempo de frio agora
aqueço o chá
mel e limão que alenta
a noite densa
traz o passado
e um pássaro noturno pia
relógios roem o que restou do dia
de um dia  claro que já se foi
mergulho — no vão nenhum
diferente do tango
as nossas emoções dissimuladas
dancei — dançamos
porém dançamos sós
as emoções contidas
dissimulamos
a estrada florida não trilhamos
triste caminito o que escolhemos
apenas uma sombra
do que não fomos
coagulam-se as horas
do que foi doce
puro ácido
do que foi branco
verde soro
que se joga nas águas
do lago lamacento
que das horas não sabe
tarde — no chão de pedras
penas
areia e sangue
massa
disforme
ainda de manhã
pássaro branco que voava
noite — chuva de vento
faz enxurrada
amanhã
quando eu passar por aqui
do que foi pássaro
nem sombra
sombras antigas do que fomos
dançam
nos muros altos que se elevam
atrás
dos nossos passos
sombras antigas do que fomos
dançam
nos muros altos que se elevam
atrás
dos nossos passos
acordei tarde demais
quase noite
e era este o último sol
vivo — da minha fé
único
legado que me resta
pedra
onde meus pés se engastam
árvore
no alto da montanha
onde uivam os ventos
e os demônios
mais uma vez
minha alma oscila: - entre céu e inferno
doçuras e amargores
(descrenças e esperanças, delícias e dores)
mais uma vez
agradeço a meu Deus por sua humanidade
e pela minha
há dores que quando chegam
nos tornam mais - ou menos - humanos
quem somos nós hoje?
quanto de nós
embruteceu - ou ascendeu rumo aos céus
do humano sagrado sentir?
quantos de nós?
mergulharam no inferno - onde ardem
as indiferenças
outra vez estendo meus braços
e tento
tento tocar / não posso
cada vez mais tudo se distancia
e a vida
que sempre me pareceu
intangível
agora / me parece improvável
no âmago das dores do homem
há sinais do incêndio
que consome as horas
as dores são filhas do fogo
o fogo é irmão do instante
no imenso banquete
no altar do tempo
todos juntos ardem e se devoram
o que mudou em mim?
onde a antiga calma
e as certezas de pedra
que viraram areias
como resgato?
sono pesado sonhos leves
porque fugiram?
rebuliço no peito
ventania
(antiga brisa, volte)
árvore sem raiz
não sei
por quanto tempo ainda
suporto
a força dos ventos
águas paradas são águas tristes
pois contariam a essência das águas
— fluir e encontrar o mar
águas paradas já não cantam
pois águas tristes já não sabem cantar
águas paradas não refletem nada
pois não desejam ser tocadas pelo sol
(são águas mortas e vivem bem assim)
eu , Narciso às avessas
vejo estas águas refletidas em mim
não ouso pedir
o maná dos céus
peço os frutos da terra
na lida
do humano quer
cansaço e suor
grão
que se possa colher
pão
ainda que ázimo
mão
que se possa tocar
saciadas fomes
preto no branco
os dias se repetem
no calendário
em frente
aos nossos olhos

vermelhos

domingos se destacam
festas
profanas e sacras
herege o tempo
ri de tudo e passa
assim o céu assim
manhã - dourado prateado rubra pepita diamante sol

tarde - rastro de pedra
preciosa pedra turquesa índigo blue anil azul extremo

noite - manto velado denso veludo em tons de abismo
absoluto

profundezas atlânticas
luas pérolas gigantes estrelas meninos cavalos marinhos

oceano mar espaço infinito onde meus olhos navegam antes
do chá
cinzento este outono
e seco
saúdo o sol
que se esconde atrás
de cada nuvem
e sigo
na trilha que se abre
a cada passo
do dia
corte que não se fecha
senda
vereda : atalho : cicatriz
ábacos
já não contam o tempo
lágrimas não o detém
dígitos
tendem ao infinito
círculos não o contém
símbolos
não o traduzem
- os olhos fundos sim
(e a pedra)
que tempo é esse, em que a solidão
é quase benção
e outro o inimigo a ser temido...?!
palavra indesejada jamais proferida
banida depois esquecida
agora enfim expressa
pronunciada de forma lenta soletrada
e o gosto dela amarga
o céu da boca
amarra a língua
faz salivar
e o cheiro
é de bolor de gaveta
de mofo de porão de casa abandonada
de túmulo vazio / aberto
à espera do corpo
resignado
se no vazio habita a paz

hoje sou seu templo
cães / poeira

céu de sol
se pôr

in termináveis
dias

hoje
[ dor de dente
ausências são fogueiras
onde se atiram trapos
que se incendeiam

[... chama azul
autocombustão

turbulenta e completa
solidão...]
estilhaços de noite
penetram nos meus olhos
já tão escuros

houvesse ao menos lua
[...lascas de prata
o tempo
corrói a vida pelas bordas
insaciável
já devorou
mais da metade do que sou
[...ou do que fui?
e nos setembros
ele arranca pedaços
inteiros
os lírios brancos
sob a árvore imensa
apascentam-me
olho cada semblante
que encontro no caminho
sinto por todos
imensa compaixão
irmãos nas dores
companheiros de estrada
sonho comum:
a vida
[... e o fardo
da humana condição
no caminho de pedras
há muitas
pedras
nem todas são
roladas
angulares muitas
resistem
em arestas e pontas
[... meus pés descalços
as encontram
22 05 + 06 08 – 19 25 X 20 06
+ - * X / ² = ? ! . . .
que conta é esta que soma e diminui
eleva
multiplica e divide depois termina
e o resto
é um número de bronze
colado numa pedra
na rota dos meus sonhos
ainda te encontro
con sus guitarras y cantos
sus poemas de arcilla y piedra
minerales y hojas
ojos de tabaco y doçura
manos de esperanza
fuegos de ternura
Habana
(reconheço-me ilha)
cenizas de lo que soñé
cai a tarde:- lenta
[como convém aos domingos]
o dia embaçado já não me afronta
dentro de mim agora
uma pequena lamparina
que pretendo manter acesa
protegida dos ventos fortes
[água e óleo que não se misturam
essenciais à existência da chama]
que venham as noites e os temporais
na redoma de cristal dos meus olhos
aceso o fogo
[...tão frágeis os cristais / tão frágeis]
a pedra escurecida
do túmulo abandonado
é de todas, a imagem mais
pungente
do esquecimento
as folhas secas
sopradas pelos vento
definem o cenário
da mais
absoluta desolação
[pálidas e frias
flores de plástico agonizam]
queria ter sido / não foi
já foi já era / foi
de certa forma somos
também o que não fomos
pois sempre estamos
se estamos / somos
o que pudemos ter sido
(até além do imaginado)
o não sonhado é
o que chamamos vida
vaga lembrança
do tempo em que a noite
era mais
que o esquecimento:- ensaio
para o definitivo sono
sinfonia improvisada - ato
que não se sabia quando
final
ensaio para a vida - tão breve
quanto
o cair do pano
vermelho
e aquela dor antiga
já nem dói
tanto
urgência
agora é calmaria
o tempo nos molda
e hoje
faz tempo bom
faz tempo
faz
de mim teu espelho
passou anos
trancado em seu mosteiro
à espera do milagre
que não veio
que o milagre está nas ruas
tudo que é dentro
é solitário e pouco
que a vida é lá fora
das consolações
do espírito
tão poucos
provaram
e a fonte sempre
tão próxima
rosas de silêncios brotaram / vermelhas
como são os silêncios / vermelhos
quando brotam
quando secarem / se / vou cultivar
palavras
neste mesmo canteiro
quando encontrar sementes / se / não
parar a chuva
e os silêncios crescerem / baobás
construirei minha casa / sobre / virão
os pássaros / de ébano
cujo canto se chama / escuridão
querem me ouvir por quê
se tudo
o que digo é delírio
e nada faz sentido
se tudo é fruto
colhido no labirinto
estreito
do meu cérebro cansado
pasto seco — onde a flor
se negou a nascer
outra vez dei de cara com o tempo
e a face dele
já não me pareceu assim
tão feia
fera domesticada
comeu na minha mão — migalhas
faz-se agora desejo de silêncio
denso forte pleno — mão
que me aperta a garganta
e os pássaros
aprisonados (tantos)
em vão se rebelam
por ora
o vôo não se dará — e o canto
ok. então era isso
tão pouco
ovelha branca
destoa
neste templo de negras
serpentes e chacais
não discriminem
o seu olhar
albino
a sua alma
clara
seu coração é
vermelho
e sangra:- dores iguais
a morte ronda
o pássaro - a flor
meus olhos

a vida é ciranda
certezas:-
verdades que abraçam
(tenho tão poucas)
sigo em busca
do abraço definitivo
vão indo embora
os velhos da cidade

meus olhos:-
carpideiros choram
eis que me recolho
à minha infinita pequenez
e me calo
(é tempo de ausências
e silêncios)
ostra que se lança
no mar
em busca
da casa perdida
afinal
a pérola
era mesmo só : fantasia
tento sair à rua tento — não posso
tenho bolas de ferro nos pés
as mãos atadas
e um nó
na garganta
antigo, o jasmineiro, em perfume
manda sinais
há vida lá fora e ela ainda pode ser
doce
no céu monótono
dos confins
em que me soterrei
um avião
corta o silêncio
posso dormir agora
não estou só
sobre minha cabeça
há vida
no meu quintal
um cão quer comida
julgo
que talvez eu
ainda possa
também estar viva
enfim compreendo, que de verdade
tenho apenas o momento presente
o passado - já não o tenho
o futuro - não me pertence
as minhas mãos plenas de “agoras”
celebram os instantes e os libertam
de esperar arranco
das pedras
os olhos
meus olhos arranco
e os atiro
ao mar
pesados
logo serão
tragados
pelo abismo
dos olhos cansados
e eu sigo
com meus olhos
de pedra
a força foi sua escola / e se tornou
ofício
hoje / carrega o mundo nas costas
sempre viveu tentando
ser perfeito
sempre exigiu
perfeição
se encontra agora
(finalmente)
na mais perfeita solidão
era preciso acreditar
que outonos
viriam
e arrancariam folhas
e ventos
soprariam
mas não
insisti na utopia
do eterno verão
das flores
que não morrem
do céu sempre azul
fui procurar sob as folhas secas
meus olhos antigos
não encontrei
quis mergulhar no campo
em busca de estrelas que já não
havia
a pedra me salvou / a pedra
me impediu de seguir
a pedra
filha do fogo
onde queimam
poetas e loucos
filha das horas
que sedimentam folhas
poeiras / estratos de tempo
sopros
a carne / se curvou à pedra
o sangue
fecundou a terra
era inverno já
e eu não sabia
que outras flores viriam
— vieram
ainda assim / não acreditei
de onde / esta paz incomum
que me chega assim, sem ser anunciada
e este perfume doce
misto de lírio branco e jasmim?
até o som do relógio da sala
atávico / que antes rugia
agora me embala (canção de ninar)
tudo mais é silêncio / e tudo é pleno
posso tocar a vida agora posso tocar
com as pontas dos meus dedos
desenho na vidraça
um coração / sereno
onde mergulho e enfim / adormeço
consigo finalmente me comportar
dentro dos limites
de rio estreito que sou
não mais transpor a linha frágil
dos meus contornos
e transbordar
seguir a sina dos rios pequenos:-
não saber dos abismos nem do sal
virara nuvem
chover
o som da fonte próxima
seja acalento
pássaros
          quando
                  amanhecer
e  o  florescer  dos  lírios
_na _noite  _inevitável
na órbita
dos meus sonhos
havia
um planeta
vermelho
colisão
inevitável
terra vazia
estrela cadente
nos meus olhos miúdos
onde um dia brotaram flores
in_contidas
onde pousaram pássaros
i_nesperados
urge outra vez ventania
a soprar gravetos
que restituem ninhos
ao primitivo estado de graça
ágoras pós-modernas: há monges
lá fora
e cantam salmos
entoam
mantras 
não são espelhos - destoam
dos muitos iguais
tenho medo
do homem que faz
a bomba
duplica seres ,conquista o espaço
mas não respeita
o espaço do outro — seu igual
pelo avesso?
em cavernas ainda
nem descobrimos o fogo
que nos iguala
quando nos torna cinzas
(e o fogo do espírito
o tempo todo
sobre nossas cabeças
animais)
lembra
quando tudo era começo
e o fim
palavra não dita
hoje
começo é lugar distante
e o fim
palavra escrita
(tatuagem catártica
na pele do instante)
medo / da dor desconhecida
do veredicto da lâmina
da pressentida
palavra
que pode ser sim
que pode ser
não
que pode não ser
mais
que a fuga de um olhar
perdido
a perguntar outra vez
por quê? (nenhuma lágrima)
ainda nos meus olhos
traços
de ternura
muito bem escondidos
sob meus óculos
de grau
estio — pleno deserto
semente
não vai brotar
a flor
não vai nascer
o vaso
não vai estar
na mesa
sempre vazia
insistem
meus olhos tolos
procuram
não vão achar
não sabem
mas vão saber:
que a flor — é utopia
tenho o peso dos náufragos
olhos vermelhos / garganta seca
pele queimada
nem ilha nem
continente
só mar
o abismo
à minha espera
e meus braços colados / à tábua
em que flutuo
outra vez tragado pelo vazio o nada
o fundo do mar o fundo
o leito do rio o leito
o abismo
o espaço infinito onde
finalmente flutua
para sempre perdido
da nave em que veio
clarão
a se desintegrar na órbita
incandescente
de um planeta pequeno para sempre
azul
desejo de vida — o que sinto
quando acordo
de madrugada
antes do sol
nascer
ainda assim
insisto
em acordar
todos os dias
quando já vai bem alto o sol
quando a vida se torna fardo
já não é vida:- é fardo
que não pretende carregar
embora o tenha
colado às suas costas
que _um _dia  _ serão _asas
dia de sol é um rasgo
nas minhas
fotofóbicas retinas
faço pouco do sol
atrás
dos meus óculos
de sol
queria
um bem-me-quer
queria
só pra dizer:- bom dia
manto tecido em escrúpulos
e náuseas
há combustível no ar
e uma faísca basta
um rio de fogo
se pressente
ninguém dirá que falam
da morte
alguém até dirá que ouviu
dizer da vida
pátria minha pátria
casa minha
onde?
exílios e relentos
meu lugar
céu azul feito teto
chão / nenhum
mormaço
exatos
30º
desisto
abro janelas
respiro
jasmim
me deixa
tonta
ninguém
na rua
um cão
sequer
queria
ar
alguém
a me dizer:-
vai passar
alguém me disse que a vida passou
juro que não vi
da minha janela a vida passar
esquiva
as coisas não têm mesmo
paz
até o que não vive
se contorce
e o que vive se deforma
então, quando ele dói e sangra
(o bruto coração)
é dado o sinal:-
foi encontrada a mina
onde habita a palavra (bruta)
jóia rara : lâmina
cava fundo no peito
tenta encontrar
a palavra escondida
é preciso ir além
da epiderme
dilacerar a carne
romper nervos e veias
ver transpassado
o bruto coração
angústia é lâmina
mais
que afiada
e no meu corpo
já não cabe mais
cicatriz

mais

mais só do que o morto
a lua e o louco
de Cooper
me debruço na janela
e sigo
o arrastar sinuoso
de uma lagarta
de fogo
sobre a parede quente
do sol do dia
sente saudades do vácuo
em que flutuou
por tanto
tempo
(era tão terno e claro
o aquário vazio)
mas como dói
ter saudades assim
de nada
e os olhos do gato
o tempo todo à espreita
lembrar tem doido / feito farpa
sob as unhas
(ao por do sol lateja)
o esquecimento
faz parar de doer
mas nos seus sonhos
todas as flores ferem / espinhos
repara:- que solidão é mais
um estado de alma
que de pele
estado de sentir
que de estar
e o ser,
em que estado fica
neste
caminho estreito
e não delimitado:- da alma
à flor da pele
.